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18:12 | 27/06/2019
Houve, uma vez, um moço que se chamava Frederico e uma moça que se chamava Catarina; tinham-se casado e viviam a vidoca dos recém-casados. Um dia, disse Frederico;
– Vou ao campo, querida Catarina, e, quando eu voltar, quero encontrar qualquer coisa bem quentinha em cima da mesa, para matar a fome; e cerveja bem fresquinha para matar a sede.
– Está bem, querido Frederico, – respondeu a mulher; – podes ir sossegado, que arranjarei tudo direitinho.
Ao se aproximar u hora do almoço, ela tirou uma salsicha do fumeiro, colocou-a nu frigideira, com manteiga, e levou-a ao fogo. Nilo demorou multo a salsicha começou a fritar fazendo espirrar gordura por todos os lados; enquanto isso, Catarina segurava o cabo da frigideira, muito pensativa. De repente, lembrou-se: “Enquanto a salsicha vai fritando, poderias ir buscar a cerveja na adega.” Então arrumou direito a frigideira, pegou uma jarra e desceu à adega para tirar cerveja. Abriu a torneira, a cerveja começou a jorrar para a jarra e ela olhava pensativa; mas lembrou-se: “Oh, e se o cachorro na minha ausência entra na cozinha e rouba-me a salsicha da frigideira? Era só o que faltava!” Largou a jarra e disparou para a cozinha.
Mas chegou tarde demais, o velhaco já estava com a salsicha na boca e ia arrastando-a para fora. Catarina saiu correndo atrás dele pelo meio do campo, mas o animal era mais esperto e mais ligeiro das pernas do que ela; não largou a salsicha e meteu-se no meio do mato.
– Pois que vá! – exclamou Catarina voltando pelo caminho, cansada e afogueada de tanto correr. Assim, muito calmamente entrou em casa enxugando o suor do rosto.
Enquanto isso, a cerveja ficou escorrendo do barril, porque ela se tinha esquecido de fechar a torneira. Enchendo a jarra, a cerveja passou a escorrer pelo chão, espalhando-se pela adega inteira. Quando chegou no alto da escada que ia dar à adega, Catarina viu aquele desastre e exclamou:
– Deus meu! Que hei de fazer agora para que Frederico não veja esse estrago?
Depois de refletir um pouco, lembrou-se de que ainda sobrara da última quermesse um saco de farinha de trigo. Foi buscá-lo no canto onde estava e espalhou-o por cima da cerveja esparramada.
– Muito bem, – disse ela – quem sabe guardar sempre encontra no momento preciso. Mas, arrastando o saco com muita pressa, esbarrou desastradamente na jarra cheia, entornando-a, e a cerveja ajudou, também a lavar a adega.
– Bem, – disse ela, – aonde vai um deve ir o outro também.
E espalhou bem a farinha por toda a adega; depois disse, muito satisfeita com o trabalho:
– Agora sim! Vejam como está tudo limpo e bonito!
À hora do almoço, Frederico voltou para casa.
– Então, mulher, que me preparaste de bom?
– Ah, querido Fred! – respondeu ela, – eu quis fritar uma salsicha para ti, mas, enquanto fui buscar a cerveja na adega, o cachorro roubou a salsicha; enquanto fui correndo atrás do cachorro, a cerveja derramou-se, espalhando-se pela adega. Quando fui enxugar a cerveja com a farinha, entornei a jarra. Mas não te aborreças, a adega está toda limpinha e brilhante outra vez!
– Ah, Catarina, – disse Fred. – Não devias ter feito isso. Deixas roubar a salsicha, esvazias a cerveja e ainda por cima espalhas, perdendo, toda a nossa melhor farinha!
– É, Fred, eu não sabia, devias ter-me dito.
O marido, então, se pôs a pensar: “Com uma mulher assim, é preciso precaver-se!” Ele tinha justamente economizado uma regular soma de moedas de prata; trocou- as em moedas de ouro e disse a Catarina:
– Olha aqui, mulher, são tremoços loirinhos. Vou guardar dentro deste pote e enterrar no estábulo, sob a manjedoura da vaca. Mas não te metas com ele, pois do contrário te arrependerás.
– Não, Fred, – disse ela, – não o farei, com toda a certeza.
Mas assim que Fred saiu, chegaram à aldeia alguns vendedores ambulantes, levando potes e vasilhas de barro para vender. Chegando à casa de Catarina, perguntaram se desejava comprar alguma coisa.
– Ah, boa gente, – disse ela, – não posso comprar nada. Dinheiro não tenho, só se quiserem tremoços bem loirinhos.
– Tremoços loirinhos? Por quê não? Deixa-nos ver.
– Ide procurar no estábulo por baixo da manjedoura da vaca, lá está enterrado um pote cheio deles. Eu não posso ir.
Os patifes não perderam tempo, puseram-se a cavoucar e logo desenterraram o pote cheio de moedas de ouro. Meteram tudo nos bolsos e, mais que depressa, fugiram, deixando na casa a pobre mercadoria de barro.
Catarina então pensou: já que ficara com todas essas vasilhas novas era preciso aproveitá-las. Como na cozinha não precisasse de nada, tirou os fundos dos potes e colocou-os como ornamento nas estacas da cerca em volta da casa. Quando Fred voltou e viu aquela decoração de um gênero diferente, perguntou:
– Que significa isso, Catarina?
– Comprei tudo com os tremoços enterrados debaixo da manjedoura. Não fui eu que os desenterrei; os vendedores tiveram que se arranjar sozinhos.
– Ah, mulher, o que fizeste? Não eram tremoços, mas ouro puro. Era tudo o que possuíamos na vida! Não devias ter feito isso!
– Oh, Fred – respondeu ela, – eu não sabia. Devias ter-me dito.
E Catarina se pôs a refletir; depois de certo tempo disse:
– Escuta, Fred, vamos reaver o nosso ouro. Vamos perseguir os ladrões.
Fred respondeu:
– Sim, vamos tentar. Mas leva um pouco de manteiga e queijo para termos o que comer durante o caminho.
– Sim, Fred, levarei tudo.
Puseram-se a caminho, mas como Fred andava mais depressa, Catarina foi ficando para trás. “Tanto melhor, – pensava ela, – pois quando voltarmos eu estarei na frente um bom pedaço.”
Daí a pouco chegaram a uma colina bastante íngreme, cuja estrada tinha sulcos profundos dos dois lados.
– Oh, veja só como esta pobre terra está toda machucada e ferida! – disse ela; – nunca mais se curará!
Profundamente penalizada, pegou a manteiga e untou as rachaduras de um lado e de outro para que não ficassem tão maltratadas pelas rodas. Mas quando se curvou para fazer o seu ato de misericórdia, um dos queijos caiu-lhe do bolso e desceu rolando pelo morro abaixo.
– Já fiz a caminhada para cima uma vez, – murmurou ela, – não vou agora descer para tornar a subir. Que vá outro buscá-lo.
Assim dizendo, pegou o outro queijo e jogou-o atrás do primeiro. Mas os queijos não voltavam e, então, ela pensou:
– Talvez estejam esperando um companheiro, por não gostar de voltar sozinhos!
E fez rolar para baixo um terceiro. E como os três não se resolviam a voltar, ela pensou:
– Realmente, não sei o que quer dizer isto! É provável que o terceiro queijo tenha errado o caminho. Vou mandar um quarto buscá-los.
Mas o quarto não se comportou melhor que os outros. Então Catarina irritou-se e atirou o quinto e depois o sexto queijo, que eram os últimos.
Ficou um certo tempo esperando que voltassem, mas como nenhum voltasse, exclamou:
– Lerdos e poltrões como sois, poderia mandar-vos chamar a morte! Se imaginam que vou esperar mais tempo, enganam-se! Eu vou seguindo o caminho; podeis correr e alcançar-me se quiserdes, pois tendes pernas mais fortes que as minhas.
Catarina prosseguiu o caminho e alcançou Fred, que tinha parado para a esperar, pois estava com muita fome e desejava comer alguma coisa.
– Bem, deixa-me ver o que trouxeste para comer.
Catarina deu-lhe pão seco.
– E a manteiga? E o queijo? Onde estão? – perguntou o marido.
– Oh, Fred! – respondeu ela. – Passei a manteica nos sulcos da estrada; quanto aos queijos logo estarão aqui: um escapou do meu bolso e eu então mandei os outras atrás para que fossem buscá-lo.
– Não devias ter feito isso, Catarina, – disse Fred, – untar a estrada com a manteiga e mandar os queijos rolando morro abaixo!
– Oh, Fred, se me tivesses dito! – exclamou vexada.
Tiveram, então, de comer pão seco; enquanto comiam, Fred perguntou:
– Fechaste bem a casa, Catarina?
– Não, Fred, devias ter-me dito antes.
– Então volta para casa e tranca bem a porta, antes de irmos mais adiante; assim aproveitas para trazer o que comermos; eu te ficarei esperando aqui.
Catarina voltou para casa, resmungando consigo mesma:
– Fred quer alguma coisa para comer. Queijo e manteiga não lhe agradam. Levarei um saco de peras secas e uma garrafa de vinho.
Tendo reunido essas coisas, fechou a parte de cima da porta com cadeado, arrancou a parte de baixo e carregou no ombro, imaginando que a casa ficaria melhor guardada se ela pessoalmente guardasse a porta. Pelo caminho, não se apressou, pensando com isso proporcionar um descanso mais prolongado a Fred. Quando chegou ao ponto onde ele a esperava, deu-lhe a porta da casa dizendo:
– Aqui está a porta da casa, Fred. Assim podes guardar tu mesmo a casa.
– Oh, Deus meu! – disse Fred, – como é inteligente a minha mulher! Trancou a parte de cima da porta e arrancou a parte debaixo, por onde qualquer pessoa pode entrar mais facilmente! Agora é tarde demais para voltar, mas, já que trouxeste a porta até aqui, tu a poderás continuar a carregar.
– Carrego a porta de boa vontade, – respondeu Catarina, – mas as peras e o vinho pesam muito; vou pendurar o saco e a garrafa na porta para que ela os carregue.
Pouco depois, chegaram a uma floresta e se puseram a procurar os ladrões, mas não os encontraram. Sendo já muito escuro, treparam os dois numa árvore, a fim de passar aí a noite. Nem bem tinham chegado lá em cima, surgiram os malandros que lhes tinham roubado as moedas e, por coincidência, sentaram-se justamente debaixo da árvore na qual os dois tinham subido; acenderam uma fogueira e se dispunham a repartir a presa.
Fred cautelosamente desceu pelo outro lado da árvore, apanhou uma porção de pedras e tornou a subir, com a firme intenção de liquidar os ladrões a pedradas. Mas as pedras não os atingiram e os ladrões exclamaram:
– Daqui a pouco vai clarear o dia, o vento já está sacudindo as pinhas.
Durante o tempo todo, Catarina tinha ficado com a porta no ombro e como o peso era grande ela pensou que a culpa era das peras secas. Então disse:
– Fred, preciso atirar fora estas peras.
– Não, Catarina, – respondeu o marido, – não faças isso agora, poderia nos trair.
– Ah, Fred, preciso atirá-las; estão pesadas demais.
– Então atira e que o diabo te leve.
As peras secas rolaram de cima da árvore, por entre os galhos, e os malandros disseram:
– Veja só o que estão fazendo os passarinhos!
Pouco depois, como a porta continuasse a pesar, Catarina disse:
– Ah, Fred, preciso atirar fora o vinho.
– Não, não! – respondeu Fred, – poderia nos trair.
– Mas preciso atirá-lo, Fred! Está muito pesado.
– Então atira e que o diabo te leve.
Ela despejou o vinho em cima dos malandros e estes disseram:
– Olha, já está caindo o orvalho.
Daí a pouco, porém, Catarina refletiu: “Será que é a porta que está pesando tanto?” e disse:
– Fred, tenho de jogar a porta.
– Não faças isso, Catarina! Ela nos trairá.
– Ah, Fred, preciso fazê-lo. Não aguento mais o peso.
– Não, Catarina, aguenta mais um pouco.
– Não, Fred, não posso… Já está escorregando!
– Então jogue e que o diabo te leve, – respondeu irritado o marido.
E a porta desceu, fazendo um barulhão enorme, por entre os galhos. Os malandros, assustados, disseram:
– É o diabo que vem descendo da árvore!
Então trataram de fugir a toda pressa, largando no chão o fruto da pilhagem. Quando amanheceu, Fred e a mulher desceram da árvore, encontraram no chão todo o dinheiro e voltaram para casa. Assim que chegaram, Fred disse:
– Agora, porém, Catarina, tens de trabalhar duro e fazer tudo direito!
– Sim, Fred, naturalmente, – respondeu ela. – Irei ao campo ceifar o trigo.
Quando chegou ao campo, ela se pôs a pensar:
– “Será melhor comer antes de ceifar, ou será melhor dormir primeiro? Bem, comerei primeiro.”
Depois de comer, ficou caindo de sono; começou a ceifar sem enxergar direito o que fazia, de tanto sono; assim cortou a roupa em dois pedaços, avental, saia e blusa. Despertando dessa longa sonolência, viu-se meio nua, então perguntou a si mesma:
– Será que sou mesmo eu? Não, não pode ser! Não sou eu que estou aqui!
Nisso a noite foi escurecendo; Catarina correu para casa e bateu na vidraça da sala onde eslava o marido e chamou:
– Fred!
– Que aconteceu? – perguntou o marido.
– Quero saber se a Catarina está aí dentro.
– Está, sim! Está lá dentro dormindo.
– Nesse caso eu estou em casa – disse ela, e saiu correndo.
Lá fora, Catarina viu alguns ladrões que queriam furtar. Aproximou-se deles e disse:
– Quero ajudar-vos também.
Os ladrões concordaram, julgando que ela conhecesse bem o lugar. Mas Catarina, colocando-se diante das casas, perguntava:
– Minha boa gente, que tendes aí? Nós queremos roubar!
Pensando que ela queria vingar-se deles, os ladrões trataram de se ver livres dela e disseram-lhe:
– À entrada da aldeia, o pároco tem uma porção de nabos amontoados no campo; vai buscá-los para nós.
Catarina foi até o campo e começou a apanhar os nabos, mas era tão preguiçosa que tardava a mover-se. Nesse momento, ia passando um homem que a viu e parou, julgando que ela fosse o Diabo que estivesse ali colhendo os nabos. Correu à casa do pároco e disse:
– Reverendo, o diabo está no vosso campo, arrancando todos os nabos.
– Pobre de mim! – respondeu o padre, – estou com um pó machucado e não posso ir lá exorcismá-lo!
O homem, então, disse:
– Isso não tem importância; eu vos carregarei nas costas!
Quando chegaram ao campo, Catarina pôs-se de pé, espichando-se toda.
– Ah, é o diabo, é o diabo! – exclamou apavorado o padre, e deitou a correr juntamente com o homem.
Tão grande era o medo, que o pároco, com o pé machucado, corria mais depressa do que o outro que o carregara nas costas e que tinha os pés sãos.

 



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