Tuesday, 10/12/2024 - 06:54
16:30 | 27/06/2019

Houve, uma vez, um alfaiate que tinha três filhos e uma única cabra. Mas como a cabra os nutria a todos com seu leite, precisava de bom alimento e, diariamente, de bom pasto. Os filhos tinham o seu turno para levá-la a pastar. Certa vez, o filho mais velho levou-a ao cemitério, onde crescia a erva mais viçosa e deixou que pastasse e perambulasse à vontade. À tardinha, na hora de voltar para casa, perguntou:
– Cabra, estás farta?
A cabra respondeu:

– Faria estou,
Nem folha ficou; mée, mée!

– Então vamos para casa, – disse o rapaz.
Pegou na corda e conduziu a cabra e o estábulo e aí amarrou-a.
– Então, – perguntou o velho alfaiate, – a cabra comeu suficientemente?
– Ela está tão farta, – respondeu o filho, – que não lhe cabe mais nem uma folha.
O pai, querendo certificar-se, pessoalmente, foi ao estábulo, afagou a querida bichinha e perguntou-lhe:
– Cabra, estás suficientemente farta?
Ela respondeu:

– Farta do que, posso estar,
Se não fiz mais que pular
e nem uma folhinha
pude achar; mée, mée!

– Ah, o que tenho de ouvir! – exclamou o alfaiate, e correu para cima, dizendo ao rapaz:
-Seu mentiroso! Disseste que a cabra estava farta; e, ao invés, deixaste a pobrezinha padecer de fome!
Furibundo, agarrou o metro de pau pendurado na parede e enxotou o filho a pauladas.
No dia seguinte tocou ao segundo filho levar a cabra a pastar. Ele escolheu um lugar junto de uma sebe, onde só crescia erva boa; a cabra comeu até não poder mais. À tardinha, na hora de voltar para casa, perguntou-lhe:
– Cabra, estás farta?
Ela respondeu:

– Farta estou,
Nem folha ficou; mée, mée!

– Então, vamos para casa, – disse o rapaz.
Levou-a para o estábulo e amarrou-a.
– Bem, – perguntou o velho alfaiate, – a cabra comeu suficientemente?
– Oh, – respondeu o filho – está tão farta que não lhe cabe mais nem uma folha.
O alfaiate, não confiando no que dizia o filho, desceu ao estábulo e, depois de afagar a bichinha, perguntou-lhe:
– Cabra, estás suficientemente farta?
A cabra respondeu:

– Farta do que, posso estar,
Se não fiz mais que pular
e nem uma folhinha
pude achar; mée, mée!

– Tratante, desalmado! – gritou o alfaiate, – deixar um animalzinho tão bom padecer de fome!
Correu para cima, espancou o filho com o metro de pau e expulsou-o de casa.
Depois, chegou a vez do terceiro filho; este, querendo sobressair-se, procurou as moitas mais viçosas e deixou a cabra pastar à vontade. À tardinha, na hora de voltar, perguntou-lhe:
– Cabra, estás farta?
Ela respondeu:

– Faria estou,
Nem folha ficou; mée, mée!

– Então, vamos para casa, – disso o rapaz.
Conduziu-a ao estábulo e amarrou-a.
Então, – perguntou o velho alfaiate, – a cabra comeu suficientemente.
– Oh, – respondeu o filho, – está tão farta que não lhe cabe mais nem uma folha.
Não confiando no filho, ò alfaiate foi ao estábulo e perguntou:
– Cabra, estás suficientemente farta?
A bichinha malvada respondeu:

– Farta do que, posso estar,
Se não fiz mais do que pular
e nem uma folhinha
pude achar; mée, mée!

– Oh! corja de mentirosos – berrou o alfaiate, – um mais desalmado que o outro! Não me enganareis mais!
Fora de si pela raiva, correu para cima e com o metro de pau surrou tão violentamente o filho que este esguichou para fora da casa.
O velho ficou sozinho com a cabra e, na manhã seguinte, teve de descer ao estábulo; depois de afagar a cabra, disse-lhe:
– Vem, querida bichinha, eu mesmo te levarei a pastar.
Pegou na corda e levou a cabra ao pé de umas sebes verdejantes, por entre o trevo e outras ervas tão apreciadas pelas cabras.
“Uma vez na vida, podes comer à fartura” – disse- lhe; e deixou-a pastar livremente até à tardinha. Na hora de voltar, perguntou-lhe:
– Cabra, estás suficientemente farta?
Ela respondeu:

– Farta estou.
Nem folha ficou; mée, mée!

– Então vamos para casa, – disse o alfaiate.
Conduziu-a ao estábulo e amarrou-a. Antes de sair, afagou-a carinhosamente e perguntou:
– Então, desta vez te fartaste a valer hein?
A cabra, porém, não o tratou melhor que aos outros:

– Farta do que, posso estar.
Se não fiz mais que pular,
e nem uma folhinha
pude achar? mée, mée!

Ao ouvir isso, o alfaiate ficou atônito e compreendeu que enxotara os filhos injustamente.
Louco de raiva, exclamou:
– Espera, ingrata criatura! Expulsar-te daqui é muito pouco; vou-te arranjar de maneira que nunca mais te atreverás a comparecer perante alfaiates honestos.
Como um relâmpago, correu para cima, pegou uma navalha, ensaboou bem a cabeça da cabra e rapou-a, deixando-a lisa como uma bola de bilhar. E, como o metro de pau seria muito honroso, apanhou o chicote e deu-lhe tantas chicotadas que ela fugiu a saltos gigantescos.
Quando se viu tão sozinho em casa, o alfaiate caiu em profunda tristeza e ansiava por recuperar os filhos, mas ninguém sabia para onde tinham ido.
Entretanto, o mais velho empregou-se na oficina de um marceneiro. Aplicado e trabalhador, aprendeu o oficio, que passou a executar com perfeição. Mas, terminado o aprendizado, quis partir. Então o mestre presenteou-o com uma mesinha de madeira comum, cuja aparência não indicava peculiaridade especial alguma. Contudo, possuia a mesa um grande predicado; colocando-a num lugar qualquer e dizendo: “mesinha, põe-te,” ela cobria-se com uma bela toalha, com pratos e talheres e toda espécie de requintadas iguarias até vergar ao peso delas; além disso, num grande copo, cintilava o melhor vinho, pondo o coração em alvoroço. O jovem aprendiz pensou: “Com isso tens tudo para o resto de teus dias.”
Agradeceu muito ao mestre e, alegremente, pôs-se a correr mundo, sem preocupar-se se as hospedarias eram boas ou ruins, se nelas encontrava ou não o que comer. Quando lhe dava na cabeça, nem sequer parava nas hospedarias, acomodava-se simplesmente num campo, numa floresta ou num prado, segundo a própria fantasia, e aí depunha a mesinha e dizia-lhe:
– Mesinha, põe-te!
Imediatamente surgia o que lhe apetecesse.
Por fim, teve a ideia de voltar para a casa do pai. A essa altura, certamente, já lhe tinha passado a raiva, pensava, e vendo-o com a mesinha mágica o receberia de braços abertos. Aconteceu, porém, que, à noite, no caminho de volta, deparou com uma hospedaria cheia de gente alegre; convidaram-no a entrar, a sentar-se e comer em boa companhia; pois dificilmente encontraria o que comer fora daí.
– Não, – disso o marceneiro, – não quero privar- vos desses pobres bocados; ao contrário, sou eu quem vos convida, é preferível que sejais meus hóspedes.
Caíram todos na gargalhada, julgando que o moço estivesse pilheriando. Mas, colocando a mesa no centro da sala, o marceneiro disse:
– Mesinha, põe-te!
No mesmo instante, a mesinha ficou coberta de iguarias tão finas, como jamais o hospedeiro poderia oferecer e cujo aroma afagava, agradavelmente, as narinas dos hóspedes.
– Comei, caros amigos! – disse o marceneiro.
Os hóspedes, ver do que não era brincadeira, não o fizeram repetir duas vezes o convite; aproximaram-se da mesa, pegaram as facas e não fizeram cerimônias. O mais extraordinário era que cada prato, cada terrina, assim que esvaziava, era logo substituída por outra bem cheia. O hospedeiro quedava-se num canto a olhar para aquilo sem saber o que dizer. Mas, no seu íntimo, pensou: “De um cozinheiro assim é que precisas para a tua hospedaria!”
O marceneiro e os hóspedes regalaram-se e divertiram-se até tarde da noite; finalmente, foram dormir e o moço foi para o quarto, encostou a mesinha mágica num canto e adormeceu. O hospedeiro, porém, continuou matutando. Lembrou-se que tinha no sótão uma mesinha de aspecto idêntico ao dessa; foi, sorrateiramente, buscá-la e substituiu a outra por essa.
Na manhã seguinte, o marceneiro pagou a conta, pôs a mesinha nas costas sem a menor suspeita de que era falsa e prosseguiu o caminho para casa. Ao meio-dia chegou e foi recebido pelo pai com grande alegria.
– Então, querido filho, o que aprendeste? – perguntou.
– Meu pai, aprendi o ofício de marceneiro.
– Um bom ofício, – disse o velho, – mas que trouxeste da tua viagem?
– O melhor que eu trouxe, meu pai, foi essa mesinha.
O alfaiate examinou-a, detidamente, de um lado e de outro, depois disse:
– Não fizeste nenhuma obra-prima! Esta não passa de uma mesinha velha e ordinária.
– Mas é uma mesinha mágica, – respondeu o filho. – Quando a coloco no chão e lhe digo: “mesinha põe-te!,” logo ela se cobre das mais finas iguarias e de um vinho que alegra o coração. Convida todos os parentes e amigos para que uma vez ao menos na vida se deliciem. A mesinha os saciará a todos.
Reunida toda a sociedade, o marceneiro colocou a mesinha no centro da sala e disse:
– Mesinha, põe-te!
Mas a mesinha não se mexeu, permanecendo tão vazia como outra qualquer que não entendesse a linguagem. Então, o pobre aprendiz percebeu que lhe haviam trocado a mesa e ficou tremendamente envergonhado por ter de passar por mentiroso. Os parentes troçaram dele e voltaram às suas respectivas casas sem comer e sem beber. O pai voltou a pegar no pano e continuou a trabalhar de alfaiate, enquanto o filho foi trabalhar numa oficina.
O segundo filho tinha aprendido o ofício de moleiro. Terminado o aprendizado, disse-lhe o patrão:
Como te portaste bem e foste um excelente aprendiz, dou-te de presente um burro especial. Ele não puxa carroças nem carrega sacos.
– Então, para que serve? – perguntou o aprendiz.
– Expele ouro pela frente e por trás – respondeu o moleiro. – Se o pões sobre um pano e lhe dizes: “Briclebrit!, este bom animal põe-se a expelir moedas de ouro, pela frente e por trás.
Agradeceu muito o patrão, despediu-se e foi correr mundo. Sempre que necessitava dinheiro, bastava dizer ao burro: “Briclebrit!” e choviam moedas de ouro; seu único trabalho era recolhê-las do chão. Onde quer que fosse exigia sempre do melhor e quanto mais caro, mais lhe agradava, pois tinha sempre a bolsa cheia.
Depois de haver perambulado um pouco pelo mundo, disse de si para si: “Deverias voltar para junto de teu pai; vendo-te com, o burro de ouro, esquecerá a zanga e te acolherá bem.”
Ora, aconteceu que ele, também, foi ter à mesma hospedaria onde haviam substituído a mesinha do irmão. Chegou com o burro e o hospedeiro prontificou-se a levá-lo para a estrebaria, mas o jovem disse:
– Não se preocupe, eu mesmo levarei meu Rabi- cão e tratarei dele, pois quero saber onde estará.
Tal atitude deixou o hospedeiro intrigado. “Um fulano -pensava ele – que precisa cuidar pessoalmente de seu animal, certamente não tem muito o que gastar.”
Mas, quando o forasteiro tirou do bolso algumas peças de ouro, pedindo-lhe que lhe servisse o que de melhor tinha em casa, arregalou os olhos e correu providenciar o melhor que pôde encontrar. Após a refeição, o jovem perguntou-lhe quando devia; o hospedeiro, não querendo perder tão bela ocasião, disse que lhe devia ainda duas moedas de ouro. O rapaz meteu a mão no bolso, mas o ouro tinha acabado.
– Esperai um instante, senhor hospedeiro, – disse,
– vou buscar o dinheiro.
Pegou na toalha e saiu. O hospedeiro, que não podia compreender, cheio de curiosidade, seguiu-o ocultamente. Viu o rapaz fechar a porta da estrebaria com o cadeado; então, espiou por uma fresta e viu o forasteiro estender a toalha debaixo do burro e dizer: “Briclebrit” e imediatamente o animal se pôs a expelir moedas de ouro pela frente e por trás.
– Apre! – disse o hospedeiro, – como se cunham depressa essas moedas! Uma bolsa assim não é nada de se desprezar!
O rapaz pagou a conta e foi dormir. Durante a noite, porém, o hospedeiro esgueirou-se ocultamente para a estrebaria, tirou o moedeiro de lá e em seu lugar amarrou outro burro parecido. Na manhã seguinte, muito cedo, o rapaz foi-se com o animal, certo de que era o burro de ouro. Ao meio-dia, chegou à casa do pai que, feliz por tornar a vê-lo, o acolheu com grande alegria.
– Que sabes fazer, meu filho? – perguntou-lhe.
– Sou moleiro, meu pai.
– Que trouxeste de tua viagem?
– Trouxe apenas um burro.
– Burros temos de sobra por aqui, – disse o pai, – eu teria preferido uma boa cabra.
– Sim, – respondeu o filho, – mas este não é um burro comum; é um burro de ouro. Se lhe digo: “Briclebrit”, o bom animal enche uma toalha de moedas de ouro. Convidai os parentes, que quero enriquecê-los todos.
– Muito bem! – disse o alfaiate, – assim não precisarei mais cansar-me com a costura.
E foi convidar os parentes. Quando todos se achavam reunidos, o moleiro estendeu uma toalha no chão e trouxe o burro para a sala.
– Agora prestai atenção, – disse e, dirigindo-se ao burro, gritou: – Briclebrit!
Mas nenhuma moeda de ouro caiu, ficando claro que o burro não tinha o menor conhecimento dessa arte, pois nem todos os burros são dotados de tal capacidade. Então o moleiro ficou com cara de outro mundo e percebeu que fora enganado. Pediu desculpas aos parentes, os quais voltaram para suas respectivas casas tão pobres como haviam chegado.
Não tinha remédio! O pobre alfaiate teve de pegar novamente na agulha, enquanto que o filho se empregou num moinho.
O terceiro irmão, saindo de casa, fora como aprendiz de torneiro. Sendo este um ofício muito delicado, teve que praticar mais tempo que os irmãos. Estes, em suas cartas, lhe haviam narrado todas as desventuras, dizendo como, justamente na última noite, o hospedeiro lhes surrupiara seus maravilhosos objetos mágicos.
Uma vez terminado o aprendizado, o rapaz dispôs-se a partir. Então, o mestre, como prêmio pela sua conduta exemplar, presenteou-o com um saco, dizendo:
– Aí dentro tens um bordão.
– O saco poderei levá-lo nas costas e poderá ser- vir-me; mas que farei com o bordão? É um peso a mais para carregar!
– Eu to direi; – respondeu o mestre; – quando alguém te fizer algum mal, ou tentar agredir-te, basta dizeres: ”Bordão, sai do saco!” Ele saltará do saco e malhará tão alegremente as costas do indivíduo, que o deixará oito dias de cama; e parará de malhar só quando lhe disseres: “Bordão, entra no saco!”
O aprendiz agradeceu muito, despediu-se, pôs o saco nas costas e lá se foi. Se alguém tentava agredi-lo dizia depressa: “Bordão, sai do saco!” E o bordão imediatamente saltava, despencando uma chuva de bordoadas nas costas do agressor, não parando enquanto encontrasse roupa sobre a pele e martelando tão ligeiramente que era impossível aparar-lhe os golpes.
Ao anoitecer, o jovem torneiro foi dar à hospedaria onde foram ludibriados os irmãos. Na mesa, colocou o saco bem pertinho dele e começou a narrar todas as maravilhas que tinha visto percorrendo o mundo.
– De fato, – dizia, – pode-se até encontrar uma mesa mágica, um burro de ouro e outras maravilhas semelhantes; coisas excelentes, que não desprezo. Mas tudo isso nada significa em comparação ao tesouro que adquiri e que trago neste saco.
O hospedeiro aguçou os ouvidos: “Que poderá ser? – pensou, – o saco “certamente deve estar cheio de pedras preciosas; seria muito justo que viesse ter às minhas mãos, pois não há dois sem três.”
Chegando a hora de dormir, o forasteiro deitou-se no banco, colocando o saco sob a cabeça para servir de travesseiro. Quando o hospedeiro julgou que estivesse mergulhado no mais profundo sono, aproximou-se e, devagarinho, com infinito cuidado, deu um puxão no saco procurando substituí-lo por outro. Mas o torneiro, que já contava com isso, justamente quando o hospedeiro deu um puxão mais forte, gritou:
– Bordão, sai do saco!
Num relâmpago o bordão saltou sobre o hospedeiro, sacudindo-lhe das costas a poeira e alisando-as com esmerado empenho. O hospedeiro gritava de causar dó mas, quanto mais gritava, mais se divertia o bordão a bater o compasso nas suas costas, até que o deixou caido exausto no chão. O torneiro, então, disse:
– Se não me devolves a mesinha mágica e o burro de ouro, garanto-te que a dança recomeça.
– Ah, não, não, gemeu quase sem fôlego o hospedeiro, – devolverei tudo com muito gosto, contanto que mandes esse espantalho indesejável voltar para o saco.
– Com justiça, terei piedade, – respondeu o moço, – mas livra-te de me lograr!
Em seguida gritou: “Bordão entra no saco!” – e deixou-o aí á descansar.
Na manhã seguinte, o torneiro encaminhou-se para a casa do pai, levando também a mesinha mágica e o burro de ouro. O alfaiate, feliz por tomar a vê-lo, perguntou-lhe o que havia aprendido longe de casa.
– Querido pai, aprendi o ofício de torneiro.
– Um ofício muito artístico, – disse o pai, – e que trouxeste de tua viagem?
– Trouxe um objeto preciosíssimo, querido pai, um bordão no saco.
– Um bordão no saco! E valeu a pena? Acho que um bordão poderias cortar de qualquer árvore por ai!
– Sim, – respondeu o rapaz, – mas não um como esse; quando lhe digo: “Bordão, sai do saco!” salta logo do saco e regala com uma bela sarabanda qualquer mal intencionado, e não o larga enquanto não o vir estendido no chão pedindo mercê. Olhai, com este bordão consegui reaver a mesinha mágica e o burro de ouro, que aquele ladrão do hospedeiro tinha furtado de meus irmãos. Agora mandai chamá-los e convidai todos os parentes. Quero proporcionar-lhes um lauto banquete e encher-lhes os bolsos de moedas de ouro.
O velho não confiava muito no que ouvia, contudo, reuniu os parentes. O torneiro, então, estendeu uma toalha na sala, trouxe para dentro o burro de ouro e disse ao irmão:
– Fala-lhe tu, meu irmão.
O moleiro disse: “Briclebrit!” E, no mesmo instante, começaram a saltar sobre o pano as moedas de ouro, pipocando como forte chuva; e o burro não cessou de expelir moedas enquanto todos os parentes não estiveram carregados até não poder mais. (Vejo que também tu gostarias de estar lá nessa hora!) Em seguida o torneiro trouxe a mesinha para o centro da sala e disse:
– Fala-lhe tu, querido irmão.
O marceneiro, então, disse: “mesinha, põe-te” e imediatamente ela se cobriu de numerosos pratos de deliciosas iguarias. Tiveram um banquete como o alfaiate jamais vira em toda a vida. A família ficou reunida até tarde da noite, todos alegres e felizes.
O alfaiate trancou num armário a agulha, a linha, o metro de pau, o ferro de passar e, daí por diante, levou uma vida de príncipe em companhia dos filhos.
E a cabra? Onde foi parar a culpada de ter o alfaiate enxotado os três filhos? Vou contar-te.
Envergonhada de ter a cabeça rapada, correu a esconder-se na toca de uma raposa. Quando a raposa voltou para a toca, viu dois grandes olhos faiscando no escuro e deitou a fugir louca de terror. No caminho, encontrou o urso que, vendo-a tão transtornada, perguntou:
– Que te aconteceu, irmã Raposa? Por quê estás com essa cara apavorada?
– Ah, – respondeu-lhe a Vermelha, – na minha toca há um monstro, que arregalou para mim dois olhos flamejantes.
– Vamos deslindar esse mistério, – disse o urso.
Foi com a raposa até a toca; espiou dentro, mas, vendo aqueles olhos de fogo, não quis conversa com o monstro e fugiu com quantas pernas tinha. A abelha, que ia passando por lá, vendo-o com uma cara de quem não está muito bom da bola, perguntou-lhe:
– Que cara de poucos amigos tens hoje, amigo urso! Que é feito da tua alegria?
– Falas bem, amiga, porque não viste nada, – respondeu o urso; – lá na toca da Vermelha há um monstro com dois olhos de fogo, enormes, e não conseguimos enxotá-lo de lá.
– Causais-me pena, urso; – disse a abelha. – Eu não passo de uma pobre e frágil criatura que nem sequer me olhais ao passar por mim na rua, mas eu acho que poderei prestar-vos auxílio.
Voou para dentro da toca da raposa, pousou na cabeça pelada da cabra e deu-lhe tão tremenda ferretoada que ela, dando um pulo, desabalou pelo mundo a fora gritando: Mée, mée, mée…
Corria como uma louca e até hoje ninguém sabe onde ela foi parar.

 



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