Tuesday, 10/12/2024 - 05:42
05:20 | 28/06/2019

Um dia, um camponês pegou o bordão no canto da sala e disse à sua mulher:
– Catarina, tenho de sair e só voltarei daqui a três dias. Se, nesse entretempo, passar por aqui o negociante de gado e quiser comprar nossas três vacas, podes vendê-las, mas só por duzentas moedas e nem um vintém a menos, compreendeste?
– Vai, em nome de Deus, que assim farei, – respondeu a mulher.
– Sim, mesmo tu! – disse o camponês; – em criança caíste de cabeça para baixo e ainda estás assim até agora! Mas fica sabendo que, se fizeres asneiras, eu te pinto as costas de azul, sem necessidade de tinta, com este pau que tenho na mão; a pintura te durará um ano, não duvides.
Dito isto, o homem partiu para onde devia ir,
No dia seguinte, apareceu o negociante e a mulher não precisou gastar muitas palavras; ele examinou bem as vacas e, depois de perguntar o preço, disse:
– Pago-as de boa vontade, é um preço de amigo. Levo já os animais.
Desprendeu as vacas das correntes e levou-as para fora do estábulo. Quando ia saindo do terreiro, a mulher segurou-o pela manga, dizendo:
– Antes tendes que me dar as duzentas moedas, senão não as deixarei sair.
– É muito justo, – respondeu o homem; – apenas, esqueci de apanhar minha bolsa de dinheiro; mas não vos preocupeis, deixo-vos uma vaca como garantia até o dia do pagamento. Levo duas e a terceira fica aqui; assim tendes um bom penhor.
Isso persuadiu a mulher, que deixou sem mais o negociante levar as duas vacas, e pensou consigo mesma: “Ah, como João vai ficar satisfeito ao ver que fui tão esperta!”
Conforme havia dito, João voltou no terceiro dia e logo perguntou se as vacas tinham sido vendidas.
– Naturalmente, querido João, – respondeu a mulher – e, de acordo com o que disseste, por duzentas moedas. Elas não valiam tanto, mas o negociante levou-as sem discutir o preço.
– Onde está o dinheiro? – perguntou João.
– O dinheiro não recebi, – respondeu a mulher; – ele, justamente, tinha esquecido a bolsa em casa mas prometeu trazê-lo quanto antes; deixou-me um penhor como garantia.
– Que penhor deixou? – perguntou o marido.
– Uma das três vacas; não a levará antes de ter pago as outras. Eu fui esperta, fiquei com a menor porque é a que come menos.
O marido ficou bufando de raiva e levantou o bordão para dar-lhe a prometida pintura nas costas; mas deixou-o cair outra vez, dizendo:
– És a gansa mais estúpida que cacareja neste mundo, mas tenho pena de ti. Por isso irei sentar-me à margem da estrada e esperarei durante três dias para ver se descubro alguém mais tolo do que tu; se o encontrar estás livre, se porém não o encontrar, terás a sova prometida e sem remissão.
João saiu para a estrada e foi sentar-se numa pedra à espera de que passasse alguém. Não tardou muito, viu aproximar-se uma carroça, em cima da qual estava uma mulher de pé, bem no meio, ao invés de sentar no molho de palha que tinha ao lado, ou então de caminhar ao lado dos bois para os guiar. O camponês pensou: “Eis aí o que procuras.” Levantou-se de um salto e pôs-se a correr de um lado para outro bem na frente do carro, exatamente como alguém não muito certo da bola.
– O que desejais, compadre? – disse a mulher. – Eu não vos conheço, de onde vindes?
– Eu cai do céu, – respondeu o camponês. – e agora não sei como voltar para lá; não podeis levar-me?
– Não, – respondeu a mulher; – não conheço o caminho. Mas, se vindes do céu, certamente podeis dizer- me como está meu marido, que se acha lá há três anos; julgo que o vistes, não?
– Sim, vi-o, mas nem a todos correm bem as coisas por lá. Está guardando as ovelhas e aquele bendito rebanho dá-lhe o que fazer: corre de cá para lá entre os morros e perde-se, frequentemente, no mato; vosso marido tem de correr um bocado para reuni-las todas. Por isso está todo esfarrapado, não demora e as roupas lhe cairão aos pedaços. Alfaiates não existem no céu; como sabeis São Pedro não deixa lá entrar nem um, conforme narram as histórias.
– Quem houvera de pensar! – exclamou a mulher, – Quereis saber uma coisa? Vou buscar seu terno domingueiro, ainda novo, que está guardado no armário, assim poderá vesti-lo no céu e não passará vergonha. Podeis fazer-me o favor de levar-lho?
– Impossível! – respondeu o camponês; – não é permitido levar roupas para o céu; são apreendidas na entrada.
– Escutai aqui, – disse a mulher; – ontem vendi meu lindo trigo e recebi uma boa soma de dinheiro por ele, vou mandá-lo a meu marido. Podeis levar o dinheiro no bolso, ninguém perceberá.
– Bem, já que não há outro jeito, – replicou o camponês, – faço-vos este favor.
– Esperai-me aqui, – disse a mulher; – vou até em casa buscar o dinheiro e logo voltarei. Não sentarei no molho de palha no carro, irei de pé mesmo, assim fica mais leve para os animais.
Dizendo isso tocou os bois de volta para casa e o camponês pensou consigo mesmo: “Essa ai tem um parafuso a menos! Se me traz o dinheiro de verdade, minha mulher pode considerar-se feliz, porque escapa de apanhar.”
Não demorou muito e a mulher do carro voltou correndo com o dinheiro e lho enfiou no bolso. Antes de ir-se embora, ainda lhe agradeceu mil vezes pela gentileza.
Quando a coitada voltou para casa, encontrou o filho que acabava de chegar do campo. Contou-lhe tudo o que havia acontecido, acrescentando:
– Estou bem contente por ter tido a oportunidade de mandar alguma coisa ao meu pobre marido. Quem haveria de imaginar que lá no céu lhe faltasse o necessário!
O filho ficou consternado e disse:
– Mãe, não é todos os dias que cai um do céu; vou sair e ver se ainda o encontro; quero que me conte como são as coisas por lá e como se trabalha.
Selou o cavalo e saiu a correr. Conseguiu alcançar o camponês que sentara debaixo de um salgueiro e se dispunha a contar o dinheiro dado pela mulher. O moço perguntou-lhe:
– Não viste por aqui o homem que caiu do céu?
– Vi, sim, – respondeu o camponês; – ele tomou o caminho de volta para o céu e subiu naquela montanha para chegar mais depressa. Ainda podes alcança-lo se vais a todo galope.
– Ah, – disse o moço, – trabalhei duro o dia inteiro e esta corrida cansou-me demais. Vós, que conheceis aquele homem, tende a bondade de montar no meu cavalo e dizer-lhe que venha até aqui.
– “Oh, – disse com os seus botões o camponês, – eis aqui um outro que não tem pavio no seu lampião!” – depois disse alto:
– Por quê não hei de fazer-vos este favor?
Montou no cavalo e afastou-se a trote largo. O moço ficou à sua espera até ao anoitecer, mas o camponês não
deu sinal de vida. “Com certeza, pensou o moço, o homem caído do céu estava com muita pressa e não quis voltar até aqui; o camponês lhe deve ter dado o cavalo para que o leve a meu pai!”
Então, voltou para casa e contou á mãe como correram as coisas, isto é; que mandara o cavalo ao pai para que não tivesse de correr sempre de um lado pura outro.
– Fizeste muito bem, – disse a mãe; – tu ainda tens as pernas fortes e podes andar u pé.
Enquando isso, o camponês chegou em casa; levou o cavalo para a estrebaria, junto da vaca deixada como penhor, depois foi ter com a mulher e disse:
– Catarina, tens sorte, encontrei dois ainda mais tolos do que tu; por esta vez estás livre da sova mas reservo-a para outra ocasião.
Depois acendeu o cachimbo, sentou-se na poltrona do avô e disse:
– Foi um ótimo negócio: ganhei um bom cavalo e ainda por cima uma bolsa cheia de dinheiro em troca de duas vacas magras! Se a estupidez desse sempre tais resultados, que bom seria!
Assim pensava o camponês, mas tu certamente preferes os tolos.

 



Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *