Monday, 11/11/2024 - 21:39
05:06 | 28/06/2019

Houve uma vez um homem e uma mulher muito pobres, cujo único patrimônio era
uma tosca choupana e que viviam do insignificante produto da pesca de cada dia.

Ora, aconteceu que, um dia, estando o pescador sentado à beira da água a lançar a rede, apanhou, de permeio a alguns peixinhos inúteis, um grande e todo de ouro. Ficou aí embasbacado a contemplá-lo, sem saber que pensar e, nisso, o peixe abriu a boca e falou:
– Escuta, meu bom pescador, se me jogares novamente dentro da água, eu

transformarei tua pobre choupana em esplêndido palácio.
O pescador respondeu, laconicamente:
– Para que me serve um belo palácio se nada tenho de comer?

O peixe de ouro replicou:

– Isso também será providenciado; haverá no palácio um armário e, quando o abrires, encontrarás dentro numerosos pratos, contendo as mais finas iguarias que possas desejar.
– Bem, – disse o pescador – se é assim, nada perco fazendo-te esse favor.

– Porém, – acrescentou o peixe – há uma condição a observar; não deves revelar a pessoa alguma deste mundo, seja quem for, de onde provém a tua riqueza. Se disseres uma única palavra a este respeito, tudo desaparecerá imediatamente.

O homem assentiu com a cabeça e tornou a jogar na água o peixe prodigioso; depois voltou para casa. Entretanto, no lugar da velha e tosca choupana, surgia agora um magnífico palácio. Ele arregalou os olhos, estupefato, e foi entrando. Numa sala muito luxuosa, viu a mulher sentada num divã, trajando roupas maravilhosas. Não cabendo em si de felicidade, ela disse ao marido:
– Meu caro, como foi que isto aconteceu? Assim de um instante para outro? Ah, não
calculas quanto me agrada e como estou contente!
– Sim, – respondeu o marido – eu também estou contente e tudo isto me agrada muito,
mas estou morrendo de fome. Arranja-me qualquer coisa para comer.
– Mas não tenho nada que se coma! – respondeu a mulher – Ainda não me ambientei
nesta nova casa e não sei onde achar as coisas.
– É muito simples, – respondeu o marido – vejo lá naquele canto um armário; abre-o,
quem sabe se não há alguma coisa dentro dele?

Com efeito, ao abrir o armário, a mulher viu, maravilhada, excelentes broas, carne assada, frutas, doces, vinhos, tudo do melhor e muito tentador à espera de ser bem aproveitado. No auge da alegria, ele exclamou:
– Meu coração, que mais podes desejar?

Com a melhor disposição deste mundo, sentaram à mesa, o marido e a mulher, comeram e beberam regaladamente; uma vez satisfeitos, a mulher lembrou-se de perguntar:
– Mas de onde provém, marido, toda esta riqueza?
– Não mo perguntes, mulher, não posso dizê-lo. Se revelar a alguém este segredo,
nossa felicidade acabará.
– Bem, – disse ela – o que não devo saber não me interessa!

Mas não estava sendo sincera; por dentro remoía-se noite e dia. A curiosidade não lhe dava sossego e, tanto especulou e atormentou o marido, que este, num assomo de impaciência, acabou por confessar ser tudo aquilo obra e graça de um prodigioso peixe de ouro, que lhe caíra na rede e lhe pedira, encarecidamente, para ser lançado novamente na água. Mal acabou de falar, o magnífico palácio, com armário e tudo o mais, desapareceu e eles viram-se novamente instalados na tosca choupana.
E o pescador teve que retornar ao rude trabalho. Mas a sorte favoreceu-o, fazendo
com que pescasse outra vez o peixe de ouro.

– Escuta pescador, – disse-lhe o peixe – se me jogares na água, dar-te-ei novamente o belo palácio com o armário, as boas comidas e tudo o que tinhas. Deves, porém, resistir à tentação e não revelar a ninguém quem te deu essas coisas; do contrário, perderás tudo como da primeira vez.
– Oh, agora serei precavido! – respondeu o pescador e jogou o peixe na água.

Em casa, tudo voltara ao esplendor de antes e a mulher estava felicíssima com sua riqueza. A curiosidade, porém, voltou a espicaçá-la sem tréguas e, passados alguns dias, não pôde conter-se mais. Tornou a indagar sem cessar como ocorrera aquilo e o que havia feito. O marido tentou por todos os meios eximir-se de responder, mas, finalmente, ficou tão amolado com a insistência dela que, num momento de
impaciência, deixou escapar da boca o segredo.
Imediatamente desapareceu o palácio e tudo o mais, encontrando-se eles na velha
choupana.
– Bem que o disse! – exclamou o marido – Aí tens; agora seremos obrigados a arrastar
nossa existência lutando com unhas e dentes para viver!
– Pois eu, – disse a mulher – antes prefiro renunciar a essa riqueza a ficar sem saber de
onde vem. Não teria nunca um mínimo de sossego.

O pescador voltou a pescar. O tempo foi passando, passando, até que, um belo dia, apanhou o peixe de ouro pela terceira vez e as coisas processaram-se como das outras vezes.

– Ouve-me, pescador; – disse o peixe – vejo que é minha sina cair sempre nas tuas mãos. Portanto, desta vez leva-me para casa e corta-me em seis pedaços; darás dois à tua mulher, para que os coma; outros dois ao teu cavalo e os dois restantes enterra- os; terás muita sorte com isso.

O pescador obedeceu: Levou o peixe para casa e fez tudo conforme lhe fora ordenado. Aconteceu, então, que, dos pedaços enterrados, brotaram dois pés de lírios de ouro; do cavalo, nasceram dois potrinhos de ouro e, da mulher, nasceram dois filhos inteiramente de ouro.
As crianças iam crescendo belas e viçosas e, na mesma medida, cresciam também
vigorosos os potros e os lírios. Tudo corria muito bem até que, certo dia, os filhos

disseram:
– Papai, nós queremos montar em nossos belos cavalos de ouro e correr o mundo.
O pescador, muito triste, respondeu-lhes:
– Se fordes embora, como agüentarei ficar sem saber como passais?

– Ora, papai! – responderam os filhos – Aqui ficam os dois lírios de ouro, graças aos quais podes saber como passamos; quando estão viçosos, significa que estamos bem e, se murcharem, que dizer que estamos doentes. Mas, se caírem, isso significa que morremos.

Depois de se despedirem dos pais, os jovens partiram nos corcéis de ouro. Tendo andado bastante, chegaram a uma hospedaria onde havia muita gente; assim que essa gente viu os dois rapazes de ouro, romperam em ruidosas gargalhadas, zombando deles. Ouvindo tais zombarias, um dos rapazes envergonhou-se e desistiu de ir mais longe; deu volta ao cavalo e regressou à casa do pai.
O outro, porém, mais audacioso, continuou o caminho e foi dar a uma grande floresta.
Dispondo-se a atravessá-la, alguém o preveniu, dizendo:

– É impossível atravessar essa floresta; está infestada de bandidos, que poderão causar-te grandes males. Além disso, vendo que és de ouro, assim como teu cavalo, naturalmente matarão um e outro.
Mas o rapaz não se amedrontou e respondeu:
– Preciso e quero atravessá-la, custe o que custar.

Então arranjou algumas peles de urso e cobriu-se inteiramente, fazendo o mesmo com o cavalo, de maneira que não se percebia a menor nesga de ouro; depois de assim disfarçado, penetrou calmamente na floresta. Tendo andado um certo trecho de caminho, ouviu um sussurro de vozes por entre as moitas, como de gente a falar entre si. De um lado diziam:
– Eis um aí!
Do outro lado, ouviu dizer:
– Deixa-o ir! É um pele de urso, pobre e pelado como um rato de igreja, que faríamos
com ele?
Assim o rapaz de ouro conseguiu atravessar, sem maiores aborrecimentos, a floresta.
Certo dia, passando por um povoado, viu uma jovem tão linda que, pensou ele, no
mundo inteiro era impossível encontrar melhor. Apaixonou-se instantaneamente;

então, aproximou-se dela, dizendo:
– Linda jovem, amo-te de todo o coração; queres ser minha esposa?
Ela também se apaixonou por ele e aceitou a proposta.
– Quero sim – disse-lhe – e prometo ser uma esposa fiel e carinhosa por toda a vida.
Então casaram-se e, quando estavam no melhor da festa, chegou o pai da moça que,

ao ver a filha casando-se, ficou muito surpreendido e perguntou:
– Mas onde está o noivo?
– É este – disseram, indicando-lhe o rapaz de ouro, ainda revestido com a pele de urso.
O pai não pôde conter o furor à vista do noivo e queria matá-lo.
– Nunca, nunca darei minha filha a um vagabundo, um reles pele de urso!
A noiva atirou-se-lhe aos pés, suplicando desesperadamente:
– Ele agora é meu marido e eu amo-o de todo o coração!

Tanto implorou e chorou que o pai se acalmou. Mas aquilo não lhe saía do pensamento, preocupando-o o tempo todo. Na manhã seguinte, levantou-se bem cedo e quis certificar-se com seus próprios olhos se o marido de sua filha era realmente um reles vagabundo.

Dirigiu-se pé-ante-pé ao quarto deles e espiou pela fechadura da porta. Quando viu deitado na cama um belo rapaz de ouro e no chão as peles de urso, voltou pelo mesmo caminho, dizendo com os seus botões:
– Ainda bem que dominei a tempo minha tremenda cólera, senão teria cometido um
crime abominável.

Durante o sono, o filho de ouro teve um estranho sonho. Parecia-lhe estar caçando na floresta e que perseguia um esplêndido cervo. Pela manhã, quando acordou, disse à mulher que desejava ir caçar na floresta. Ela, receando alguma desventura, suplicou- lhe que ficasse em casa, explicando:

– Tenho pressentimento que te poderia acontecer alguma desgraça.
Mas ele insistiu, não acreditando no pressentimento da mulher.
– É preciso que eu vá; tenho de ir, custe o que custar.

Levantou da cama, preparou-se e foi para a floresta. Não demorou muito, viu surgir pela frente um belíssimo cervo, exatamente como vira em sonho. Apontou a espingarda e ia atirar mas, de um salto, o cervo deitou a fugir, enquanto o moço o perseguia por entre vales e sebes. A correria durou o dia inteiro, mas, ao anoitecer, o cervo desapareceu sem deixar traços.
O rapaz, desconsolado, pôs-se a olhar de um lado para outro e, nisso, avistou bem em
sua frente uma casinha habitada por uma bruxa. Foi até lá e bateu na porta; saiu

uma velhinha perguntando:
– Que estás fazendo de noite nesta floresta?
– Não viste por acaso passar um cervo por aqui? – perguntou o moço.
– Ah, sim, – respondeu ela – conheço-o muito bem!
Com a velha saíra também um cãozinho, que latia e investia furiosamente para ele.
– Cala-te, sapo imundo, – disse o moço, exasperado – se não te mato.
Então a bruxa gritou, revoltada:
– Como? Pretendes matar meu cãozinho?
E, instantaneamente, transformou o rapaz numa pedra. Enquanto isso, a recém-

casada esperava em vão o marido.
– Certamente lhe aconteceu aquilo que tanto me amedrontava e me oprimia o coração
– pensava ela aflita.
Na casa paterna, o outro irmão estava contemplando os lírios de ouro quando, subitamente, viu um deles perder a haste.
– Deus, Deus, meu Deus! – exclamou angustiado – Aconteceu uma grave desgraça a

meu irmão! É preciso que eu parta imediatamente, talvez ainda consiga salvá-lo.
Mas o pai tentou dissuadí-lo, dizendo com tristeza:
– Não partas, meu filho! Fica aqui comigo; se perco a ti também, que farei depois?
– Não, meu pai, – respondeu o moço – preciso de ir ver o meu irmão.
Montou no cavalo de ouro e disparou rumo à floresta, onde seu irmão jazia petrificado.
A velha bruxa saiu de dentro da casinha e convidou-o, querendo apanhá-lo também na
rede; mas ele não se aproximou, gritando-lhe de longe.
– Restitui a vida a meu irmão, se não te mato agora mesmo.
Embora de má vontade, ela tocou com a ponta do dedo a pedra e logo esta se
reanimou, recuperando a forma humana.
Loucos de alegria por se tornarem a ver, os dois irmãos de ouro abraçaram-se e beijaram-se muito comovidos. Em seguida, cada qual em seu cavalo, saíram da floresta, dirigindo-se um para os braços da esposa e o outro para a casa do pai, que, ao vê-lo de volta, exclamou:
– Eu já sabia que conseguiras salvar teu irmão; porque o lírio de ouro endireitou-se repentinamente e refloresceu com todo o viço.
Depois disso, todos eles viveram alegres e felizes durante muitos e muitos anos, até o fim de suas vidas.

 



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