Monday, 17/02/2025 - 00:32
Houve, uma vez, três moços empregados que combinaram andar sempre juntos e trabalhar na mesma cidade. Assim fizeram durante algum tempo mas, depois, nas oficinas em que trabalhavam, escasseou o trabalho e eles não ganhavam mais nada, chegando ao extremo de andar maltrapilhos e famintos. Então, um deles sugeriu:
– Que vamos fazer? Não podemos mais continuar aqui; acho melhor sairmos em busca de outras terras. Se, na próxima cidade, não encontrarmos trabalho, combinaremos com o estalajadeiro que cada um de nós lhe escreverá dando notícias, de maneira que possamos saber onde cada qual se encontra e como está; depois nos separaremos e seguiremos nossos respectivos caminhos.
Os outros dois acharam a sugestão razoável e concordaram plenamente. Portanto, puseram-se a caminho e, depois de andar bastante, encontraram um homem ricamente trajado, como fidalgo, que lhes perguntou quem eles eram.
– Somos três empregados que não têm trabalho; sempre vivemos juntos até hoje, mas, como não conseguimos encontrar emprego juntos, vamos agora nos separar.
– Não vos preocupeis, – disse-lhes o homem. Se estais dispostos a fazer o que eu vos disser, não vos faltará trabalho nem dinheiro; aliás, ficareis tão ricos que podereis andar sempre de carruagem.
– Se for algo que não prejudique a nossa alma e a nossa eterna salvação, aceitamos desde já; – disse um deles.
– Não, nada quero com vossas almas, – respondeu o homem.
Entretanto, um dos moços olhara para os pés dele e percebeu que um deles era igual a um casco de cavalo; o outro era um pé humano; achou mais prudente não ter negócios com tal personagem que era pura e simplesmente o diabo. Mas este, notando a desconfiança do moço, disse:
– Podeis ficar sossegados, não é por vós que me interesso, mas pela alma de outro indivíduo, que já é quase minha; falta só acabar de encher a medida.
Tranquilizados a este respeito, os moços aceitaram a proposta do diabo, que lhes explicou o que deles exigia. Era o seguinte: o primeiro deles, a toda e qualquer pergunta que lhe dirigissem, devia responder: “Nós três juntos”; o segundo devia responder: “Por dinheiro” e o terceiro responderia: “Estava certo.” Isto deviam dizer, um após o outro, e nenhuma outra palavra mais; se porventura desobedecessem a esta ordem, desapareceria imediatamente todo o seu dinheiro, ao passo que, observando, escrupulosamente, esse contrato, os bolsos deles estariam sempre fartamente providos.
Como início, adiantou-lhes logo tanto quanto podiam carregar e ordenou que, na próxima cidade, se hospedassem em determinada hospedaria. Não tardaram a encontrá-la e, assim que entraram, o hospedeiro avançou sorridente para eles, perguntando:
– Querem comer alguma coisa?
– Nós três juntos, – respondeu o primeiro moço.
– Claro, – disse o hospedeiro, – eu também penso assim.
– Por dinheiro, – acrescentou o segundo.
– Naturalmente! – disse o hospedeiro.
– E era justo, – falou o terceiro.
– Claro que é justo! – rebateu o hospedeiro. – Paguem os três, pois de graça não dou nada.
Foram lautamente servidos de excelentes comidas e bebidas. Findo o jantar, apresentaram-lhes a conta, e eles pagaram muito mais do que somava.
Os outros fregueses, vendo aquilo, exclamaram:
– Esses moços devem ser malucos!
– E são mesmo! – disse o hospedeiro; – perderam completamente o juízo!
Regaladamente instalados, os três moços ficaram algum tempo na hospedaria e não pronunciavam outras palavras a não ser: “nós três juntos,” – “por dinheiro” e “era justo.” Não obstante, porém, viam e sabiam tudo o que ocorria lá dentro.
Eis que, certo dia, chegou um rico mercador carregado de dinheiro, o qual foi dizendo, ao entrar:
– Senhor hospedeiro, guarde em lugar seguro o meu dinheiro; aí estão esses três malucos que não inspiram confiança e poderiam roubar-mo.
O hospedeiro atendeu ao pedido e, ao levar a mala para o quarto, compreendeu que estava cheia de moedas de ouro.
Em seguida, destinou aos três moços um quarto ao rés do chão e encaminhou o mercador a um quarto separado, no andar superior. Quando deu meia-noite, o hospedeiro, certo de que todos dormiam, foi com a mulher para o quarto do mercador, armados de machadinha, e mataram-no; depois do crime, foram ambos dormir. Logo que amanheceu, houve grande reboliço: o mercador fora encontrado morto na cama, nadando numa poça de sangue. Acorreram todos os hospedes, muito alarmados, mas o hospedeiro disse:
– Foram aqueles três malucos!
Os hospedes confirmaram, dizendo:
– Não podia ser mais ninguém, senão eles.
O hospedeiro mandou chamá-los e, assim que se apresentaram, foi logo dizendo:
– Matastes o mercador?
– Nós três juntos, – disse o primeiro.
– Por dinheiro, – acrescentou o segundo.
– E era justo, – completou o terceiro.
– Ouviram todos? – exclamou o hospedeiro; – eles o confessaram.
Por conseguinte, foram levados para a prisão a fim de serem condenados.
Quando os três viram que as coisas estavam ficando sérias, alarmaram-se; mas, durante a noite, apareceu- -lhes o diabo, que lhes disse:
– Mantenham-se firmes mais um dia e não deixem escapar a vossa sorte; não tenham receio, não chegarão e tocar-lhes num fio de cabelo!
Na manhã seguinte, compareceram perante o júri. O juiz perguntou:
– Sois vós os assassinos?
– Nós três juntos; – respondeu o primeiro.
– Por que matastes o mercador?
– Por dinheiro, – disse o segundo.
– Celerados, – gritou o juiz; não vos atemorizou o pecado?
– São réus confessos e ainda se obstinam! – disse o juiz. – Levai-os imediatamente ao patíbulo.
Foram, então, levados para fora, para o largo onde se erguia o patíbulo; entre o povo que os cercava, encontrava-se também o hospedeiro. Quando os auxiliares do carrasco os conduziram para cima do cadafalso, onde já se encontrava o carrasco de espada desembainhada, surgiu, inopinadamente, uma carruagem puxada por quatro corcéis puro-sangue, os quais corriam tão velozmente que arrancavam chispas de fogo das pedras. Da janelinha da carruagem, alguém agitava um lenço branco. Então o carrasco estacou, dizendo:
– Aí vem a clemência.
Nisso gritaram da carruagem:
– Mercê! mercê!
Logo a seguir, saltou o diabo, sob o aspecto de grão-senhor, suntuosamente trajado, que se aproximou e disse:
– Sois os três completamente inocentes; agora já podeis falar. Contai tudo o que vistes e ouvistes.
O mais velho dos moços então falou:
– Nós não matamos o mercador; o verdadeiro assassino encontra-se aí entre os espectadores. – Assim dizendo, apontou para o hospedeiro. – Se quiserdes a prova do que digo, ide revistar a adega e lá encontrareis dependurados muitos outros, todos assassinados por ele.
O juiz mandou, imediatamente, os auxiliares do carrasco, que tudo constataram. Quando voltaram e referiram ao juiz o que viram, este ordenou que levassem o hospedeiro ao patíbulo e lhe decepassem a cabeça.
Então o diabo disse aos três moços:
– Pronto; já tenho a alma que desejava. Agora estais livres e tendes à vossa disposição tanto dinheiro que chega e sobra para o resto de vossas vidas.

 



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